#16 O julgamento de Antígona
Em mim só manda um rei: o que constrói pontes e destrói muralhas.” (Sófocles)
“A tua lei não é a lei dos deuses; apenas o capricho ocasional de um homem. Não acredito que tua proclamação tenha tal força que possa substituir as leis não escritas dos costumes e os estatutos infalíveis dos deuses. Porque essas não são leis de hoje, nem de ontem, mas de todos os tempos: ninguém sabe quando apareceram. Não, eu não iria arriscar o castigo dos deuses para satisfazer o orgulho de um pobre rei.” Sófocles. Traz. Millôr Fernandes.
A atividade da mediação de leitura pode assumir formatos diversos, o importe é manter o cerne dos seus objetibos: a importância dos textos, a existência dos leitores e o intuito de aproximá-los.
No início buscamos os textos mais “fáceis”, identificáveis com os públicos trabalhados. Com o tempo, a depender da constância e da proximidade com as turmas precisamos ser mais ousadas, oferecer desafios maiores.
Pensando nisso, uma dos textos que gosto de trabalhar é Antígona ( com a tradução do Millôr Fernandes). Faço em três encontros. O primeiro tem por tema, destino, justiça e os deuses, onde apresento um pouco do pensamento mítico e poético da Grécia através de mitos; o segundo tem por tema, o destino de Antígona, onde lemos juntos a maior parte do texto comentando e contextualizando algumas partes; o terceiro encontro tem por tema o julgamento de Antígona.
O fórum funciona separando a turma em quatro grupos, o grupo de acusação, o grupo de defesa, o júri (que apenas escuta e escolhe o destino da Antígona) e o público comentarista, que assiste, mas é concedido pelo mediador, comentários que podem ajudar acusação ou defesa.
Nas duas oportunidades do julgamento de Antígona, os debates, as considerações, e as paixões acendidas durante a atividade foram bem interessantes. No fim, o importante é demonstrar como as histórias, mesmo dois mil anos depois, podem continuar muito relevantes e podem revelar e denunciar nossa humanidade.
Para a maioria dos alunos, as duas vezes foram com turmas do ensino médio, segundo e terceiro ano, havia sido o primeiro contato com uma tragédia grega.
Andrea Beltrão adaptou para a cena o texto de Sófocles, traduzido por Millôr Fernandes, adicionando um contexto da maldição da linhagem de Laio. O espetáculo tem uma versão audiovisual no Canal CurtaOn.
Março mês da Poesia
A poesia Búlgara talvez não seja uma das mais conhecidas do mundo. Uma das suas principais representantes tem um laço no mínimo curioso com o Brasil. Elizaveta Bagriana foi uma das grandes amigas de Pedro Rouseff, pai de Dilma Rouseff.
Elizaveta visitou nos anos 60 o nosso país, ainda não consumido pelo Golpe Militar. Dessa visita nasceu 9 poemas, o Ciclo Brasileiro. O poema de hoje é um presente, a tradução difícil do Búlgaro é feita como muita perícia pela professora de biotecnologia da Universidade Federal do Ceará, Maria da Guia Silva.
Punhado de Neve
Elizaveta Bagriana
Em minhas mãos treme um telegrama.
Morto...
morto?
já o quinto dia?
E em tua alma tu terminas o drama,
com este final, subitamente resolvido?
Surdamente acima do equador e do trópico
voou esta notícia negra
e através do Atlântico
e da Europa
em minhas mãos ela se pousa hoje.
O rádio diz -
nas praças
no calor - cinquenta à sombra -
lá as pessoas caíam de insolação.
Tu não sentes
nem calor,
nem frio.
Em nosso pais faz vinte abaixo de zero
e cai uma neve maravilhosamente macia.
Tu te lembras como à noite sob a torre
eu te contei novamente sobre Boyana?
Três dias e três noites estando encerrada só
em um montão de neve e numa tempestade,
eu pensei, que a casa ia desabar sobre mim
nas trevas da meia noite.
Tu suspiraste
vagamente perceptível:
- Como eu sonho por um punhado de neve...
Eu daria metade de minha vida
para estar lá contigo no meio do inverno...
Eu brinquei:
- Eu te prometo -
Se eu voltar aqui uma segunda vez -
numa garrafa térmica,
trazido de Vitosha,
um punhado de neve para ti será o presente.
Agora para sempre te esmaga
o calor de um litoral estrangeiro.
E sobre ti eu lanço só mentalmente
o prometido
punhado de neve.
ESTUDOS
Informo que nosso encontro do Estudos desse mês será adiado para o próximo dia 27, por muito trabalho que foi o mês de março, e assim posso preparar com mais atenção o nosso encontro.
Belo texto, Talles. Sobre Antígona lembrei-me da obra ímpar da Barbara Freitag "Itinerários de Antígona: a questão da moralidade".
O teu descrito trabalho de mediação é digno de aplauso. Demanda planejamento, disposição genuína para a troca, envolvimento com o público leitor. Tem que gostar de gente! Parabéns!!
É sempre um prazer ler seus textos, Talles! Obrigada pelo poema presente. Acho que não conhecia nada de poesia búlgara. Mas esse poema me fez lembrar que há muito tempo meu pai trouxe do Japão para mim um punhado de neve, dentro de uma garrafa. Guardo ela aqui comigo. E ainda sobre a neve, uma vez um aluno meu me disse, "Professora, neve não é água? Então, eu já vi a neve!" Lindo, não é mesmo? Obrigada! Até a próxima!