Minha mãe é mediadora de leituras exercendo essa função há alguns anos e, mais do que isso, ela foi grande responsável por me fazer mediador de leituras por sua capacidade de entender meu potencial e me colocar “pra jogo”.
Eu só tinha doze anos. Minha mãe não duvida da capacidade das pessoas. Talvez porque muita gente duvidou de sua capacidade durante a vida.
Rita de Cássia foi uma jovem extremamente bonita, que casou muito cedo, sofreu violência doméstica, teve que trabalhar muito, perdeu uma filha, teve mais três, trabalhou como educadora infantil recebendo uma sub-remuneração e sendo extremamente explorada, chegava a trabalhar três turnos e ganhava apenas por um.
Esse contexto lhe roubou o direito de exercer sua plena cidadania cultura, iguais a muitas mulheres da periferia, não tinha livro em casa, não tinha condições de frequentar cinemas, teatros, entretanto nunca aceitou sua condição e todas as oportunidades que teve de estar atenta ao que a arte poderia lhe proporcionar, aproveitou.
Não usarei a palavra milagre pois não acredito que as coisas surgem do nada, nossa vó, nosso vô amavam a música, o repente e a cantoria, a oralidade foi sempre muito valorizada em nossa casa, a palavra nos formou e sempre ofereceu a dignidade que a desigualdade social tentou nos roubar.
A vida e a inteligência de minha mãe faz com que eu a observe e aprenda bastante com ela. Esses dias saiu um episódio do podcast Lombada em que ela é umas das personalidades entrevistada e soltou uma frase extremamente real.
“A Literatura te insulta”.
Insultar é uma palavra que usamos muito no Ceará, é um quase sinônimo, até porque não existe sinônimos perfeitos, da palavra perturbar. Usamos em contextos do tipo:
“— Menino! deixa de insultar a tua irmã.”
Insultar é perturbar uma pessoa que estava estática em seu lugar. A boa literatura nos move do estático de nossas certezas. Minha mãe conseguiu perceber muito bem uma de suas melhores funções. A Literatura como insulto.
No auge do desdém de uma elite cultura que frequenta certos eventos, talvez debochassem de pessoas iguais a minha mãe que algumas vezes ainda ler gaguejando e que nem sempre utiliza a linguagem na sequência gramatical, essas pessoas só alcançam o espelho d´’agua da poesia, jamais irão mergulhar em sua profundidade, o lugar onde minha mãe mora.
ESCUTE O EPISÓDIO DO LOMBADA:
Pura inspiração para quer um motivo para erguer a cabeça e ir a luta.
Que história bonita! Vida longa a vocês!