A minha experiência de leitor é um pouco distinta da média de leitoras e leitores do país, pelo menos foi durante boa parte da minha vida, já que também assisti crescer o número de leitoras brasileiras das periferias a medida que políticas públicas, iniciativas populares e do terceiro setor traziam para si a grande questão social da leitura. Questão que infelizmente não se resolveu de todo, até se complicou dentro do cenário pós pandemia.
Escrevi um texto em que narrava minha trajetória de escritor e como sonhava fazer parte de um universo elitista, afinal todas as referências consumidas por mim sobre livros era rodeada de signos de privilégios. Em filmes, novelas, livros e toda sorte de produtos culturais, a representação da leitura é atrelada na maioria das vezes a um padrão social: classe média, rico.
A leitura, em um mundo colonialista em que convém para os ricos manter boa parte da população analfabeta, é um signo da elite.
Fui salvo por bibliotecas, muitas delas escolares e algumas livrarias que deixavam-me ler alguns pedaços de seus exemplares mesmo ainda não tendo dinheiro para comprá-los, até poder trabalhar e ser um cliente costumaz de Livrarias.
Nesse meio tempo surgiu o comércio digital de livros e sua mágica de preços extremamente baixos. Ora, não existiria uma pessoa com o meu perfil, jovem trabalhador explorado com remuneração baixíssima, que não se renderia aos preços milagrosos do e-comerce.
O meu trajeto estava ilustrado na vida dos livros, acabei me envolvendo totalmente, não apenas me tornando poeta, mas também mediador de leitura, editor, e agora livreiro. Tenho um particular amor por esses objetos, não apenas pelo fetiche da mercadoria, mas por salvarem muitos instantes da minha vida e por permitirem a reflexão profunda e demorada. Descobri no meu trabalho perto do livro que ele é uma espécie de canivete suíço, pode ser diversão, pode ser passatempo, pode ser remédio, pode ser educação, política, afeto…
Sendo meu amor e meu trabalho, posso olhar para os livros sem romantismo, sem a filia tediosa de certos intelectuais. Por isso eu nunca consegui aderir ao universos dos booktubers, sua necessidade de ser uma máquina de leitura em massa, que mal possuem tempo para maturar o texto lido mas mesmo assim são afiados em dar veredictos. Alguns reproduzindo a velha política do jabá e, não muito raro, destilando comentários elitistas. O único booktuber que consumo é o Darwin do seleção literária.
Nos últimos tempos algumas dessas personagens estão emitindo opiniões da profundidade de um pirex sobre a Lei Cortez, achando um absurdo livrarias e qualquer tipo de comércio ter limitado o valor de desconto a 10% durante um breve período de tempo depois que o livro é lançado, servindo de medida paliativa para que uma importante parte do mundo dos livros, as livrarias, não se acabem de uma vez e empresas como a amazon termine por dominar tudo impondo sua hegemonia.
Essas pessoas gostam realmente dos livros? Tenho minhas dúvidas sinceras. Quanto mais você conhece o ecossistema do livro, menos você simpatiza com empresas lobistas iguais a amazon. Se ela instaurou em nossa país descontos mágicos, alguém vai pagar esse preço, capitalistas não dão dinheiro de graça. Trabalhos sub-remunerados e até nossa segurança digital podem pagar o preço por esses inocentes e benevolentes descontos que chegam a 50% até em lançamentos.
Muitos países tem reagido, muitas leis até mais severas que a Lei Cortez tem sido implementadas. Caso seja do interesse posso escrever sobre o assunto, enquanto isso, quando vocês assistirem uma/um booktuber por aí fazendo propaganda contra a Lei Cortez se pergunte: ela ama mesmo os livros ou seu dinheiro que tem faturado junto com a amazon?
PS: Lógico que existem pessoas maravilhosas, sérias, que fazem trabalhos de booktuber ou similares na internet, então por favor, esse é um texto crítico e não uma ofensa pessoal para você, a ofensa aqui é para a amazon e seu loby forte contra a Lei Cortez.
"A leitura, em um mundo colonialista em que convém para os ricos manter boa parte da população analfabeta, é um signo da elite." foda!
Bom dia, Talles! Poxa, você bem que poderia escrever um texto sobre essa lei. Li por alto num portal de notícias, mas queria entender de um ponto de vista mais crítico.
Um abraço!