O surrealismo foi um desses movimentos artísticos que se rebelaram contra a necessidade capitalista de um mundo que se simplificava para ser vendido enlatado em larga escala para o maior número de pessoas. Não é preciso pensar, nós pensamos por você!
A explicação de qualquer coisa, principalmente quando vem assim sem esforço algum é uma tentação. Acabando de sair de uma sessão de Cidade dos sonhos, do diretor David Lynch, quase maquinalmente fui em busca de críticas sobre a obra, um péssimo hábito que desenvolvi nos últimos anos mas que estou tentando me desvencilhar.
De resultado a internet ao invés de me oferecer críticas ofereceu-me diversos tópicos e vídeos com títulos mais ou menos parecidos, desvendando, explicando, por dentro, saiba o significado… de Cidade dos Sonhos.
Será que essa é realmente uma boa prática? Não é. Uma obra surrealista se não te permite destravar a região do sonho do seu entendimento ela não cumpriu o seu papel, é um fracasso.
E todo mundo explica tudo
Como a luz acende
Como um avião pode voar -
Raul Seixas
Existe uma dimensão da leitura que não está ao significado, mas a reverberação. Leia um poema, absorva os sons, as rimas, o modo como ele se desenha no papel, escute a música, dance a música, fiquei simplesmente olhando para o quadro e para a fotografia, veja o filme, seus sons, cores e texturas. Frua.
Há um equivoco de achar que só se aproveita uma obra de arte quando podemos explicá-la. Por isso multiplicam-se os tiktokers e instagramers oferecendo esse serviço.
Bobagem. O efeito de latência que comentei deixa todos esses signos que você fruiu cozinhando dentro de você e quando você tropeçar em uma pedra, ou estiver tomando uma cerveja em um bar com uma amiga, ou num momento de grande tristeza, ou de grande alegria, ou de grande raiva, ou de grande tédio, ele desembrulha tudo de sua mente e o efeito é um poderoso Ahhhhhhhhhhhh!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Faça um teste, escolha algumas obras que você suspeita que vai ser difícil de apreciar, seja por certa complexidade de linguagem, ou ainda mesmo por um ordenamento disruptivo ou surrealista proposto pela criadora da obra, só frua. Nada de explicações. Esse exercício te oferece autonomia e, talvez, um certo sabor que muitas vezes não encontramos ao apreciar uma leitura.
Excelente reflexão, Talles!
Muitas vezes basta deixar a arte fomentar livremente dentro da gente. Pegar significados mastigados, faz com que a gente delegue o exercício de pensar e sentir.
Um abraço!
BOA