Reflexões para pensar e repensar as bibliotecas
Sobre as Bibliotecas Comunitárias de iniciativa popular
Claudiana Nogueira Alencar não é qualquer pessoa, Dra. em linguística com pós doutorado em semântica e pragmática. Mais do que uma profissional de excelência que já foi pesquisadora visitante na Universidade de Oxford orientou diversos projetos no universo das bibliotecas comunitárias, ela pensa e pratica diariamente os conhecimentos que mobiliza.
A Professora Claudiana defende junto comigo um pensamento sobre o universo das bibliotecas comunitárias, pensando que há diferenças entre bibliotecas comunitárias e de iniciativa popular.
Durante a última Bienal internacional comentando essa diferenciação ela foi interpelada por uma participante de uma das mesas que estava organizando dizendo que esse conceito não existia, o que ela de imediatamente rechaçou, não só existe como realizamos um seminário na Universidade Estadual do Ceará sobre o assunto.
O que caracteriza as bibliotecas de iniciativa popular? Ela surge de uma necessidade comunitária, e não administrativa ou institucional, ou seja, não é o resultado de uma ONG, partido político, igreja, empresa, ou administração pública.
Uma biblioteca de iniciativa popular não se fixa no seu formato, pois se adequa conforme os usos e as necessidades de sua comunidade, de modo que se necessário ela pode se reinventar drasticamente, pois sua razão de existir é relevância para o território em que está inserida.
Ela busca também um constante parimento de novos/novas mediadoras de leitura, assim como tenta não fixar hierarquias, pois sua existência depende sempre de uma renovação constante daquilo que se convencionou de chamar de “lideranças”, mesmo essa palavra não conseguir exprimir bem a ideia de pessoa que colabora com as atividades constantes da biblioteca.
As bibliotecas comunitárias de iniciativa popular convidam suas leitoras e leitores para a descoberta do mundo da linguagem, sem oprimir ao forçar a leitura do livro físico, pois entende que o livro muitas vezes é alienígena na comunidade em que está inserida, então ela busca envolver, contextualizar, apresentar, compartilhar, descobrir juntos, estabelecer e normalizar o livro, criando memórias afetivas da pessoa com o livro, criando sentido no ato de ler.
Uma biblioteca comunitária de iniciativa popular não se preocupa com os números, número é consequência, e entende que é necessário investir antes de tudo em relação, diálogo, tempo com qualidade.
Uma biblioteca comunitária de iniciativa popular respeita a diversidade política do seu território, mas se posiciona politicamente em favor de tudo o que concorre para o desenvolvimento justo, de todas as espécies e vida, seja do chão em que esteja instalado, seja do povo distante da Palestina. Nesse sentido uma biblioteca popular jamais poderá ser “de direita”, entendendo que as ideologias liberais e neoliberais desse espectro político são danosas a vida.
Por mais que uma biblioteca comunitária de iniciativa popular se relacione com alguma instituição, sempre dará mais importância para as pessoas da comunidades e para as pessoas que a criaram e ajudaram-na a se manter em pé.
As bibliotecas comunitárias de iniciativa popular acreditam que as pessoas são mais importante que os livros e nunca irá aplicar nenhum tipo de multa ou punição por algum dano que venha acontecer em algum livro do seu acervo, o acervo é a consequência do espírito de curiosidade, de descoberta, ele não é sagrado e nem sacralizado em uma biblioteca comunitária de iniciativa popular. E mesmo assim ela sempre vai surgir a partir de alguém que ama muito a leitura e entende que ela é o meio para transformação pessoal, social e para a defesa dos direitos humanos, da terra e dos animais.
Uma biblioteca comunitária de iniciativa popular é rodeada de afetos, bons e ruins, não nega seus conflitos, não pasteuriza seu fazer, parafraseando Alberto Caeira “É nítida como um Girassol”.
Num contexto em que tudo pode ser alienado e sequestrado pela iniciativa privada para gerar lucro e se aproveitar das lutas coletivas, é necessário ser popular e ser comunitária, ser pessoa e bicho, ser terra, ser planta, e não ser apenas instituição com metas de vontade de acumulação de recursos.
Os recursos são muito necessário, mas ele não devem ser adquiridos a todo custo. Diz o poeta Reginaldo Figueredo “A falta do dinheiro pode ser um problema, mas sua chegada nem sempre é a solução”.
A amiga Márcia Cavalcante do Cirandar de Porto Alegre comentou comigo que nossas irmãs da Sulamérica chama suas bibliotecas de Bibliotecas Popular. Devemos nos conectar e aprender mais com elas, o caminho para um país e um mundo que está cada vez se brutalizando, se tornando fascista, é o de transforma-se povo, comunidade. E o poder de relação que uma biblioteca comunitária de iniciativa popular pode ser um dos bons caminhos para isso.